
Ainda é madrugada quando Eliane Lara, de 46 anos, começa o dia preparando seu primeiro café do dia. No terreiro onde prepara um dos grãos mais apreciados no estado e, obviamente, do mundo inteiro, a produtora se alegra com a colheita do café que ela mesma plantou. O aroma do grão torrado é, antes de tudo, um símbolo da sua independência.
O café no Acre tem se tornado, cada vez mais, uma representação de orgulho e autonomia para diversas mulheres produtoras que lideram uma importante transformação no campo: a economia e a vida de várias famílias estão mudando com o protagonismo feminino na cafeicultura acreana.
O grão tem ganhado destaque no cenário de produção agrícola no estado acreano. No mês de setembro, por exemplo, o café teve a segunda maior variação mensal, com alta de 9,4%, de acordo com o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A produção agrícola no Acre, segundo estes dados, alcançou cerca de 189.333 toneladas, distribuídas em mais de 64,4 mil hectares.
O fortalecimento da cafeicultura acreana tem fortalecido a diversidade da produção agrícola com o incentivo da Secretaria de Estado de Agricultura (Seagri), em parceria com instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com ações que fomentam a cadeia produtiva local.
Força da mulher na cafeicultura acreana
Eliane Lara veio de Rondônia em 1998 e trabalha com café no Acre há 27 anos. Sua propriedade, a Colônia Lara, está localizada no município de Acrelândia, uma das cidades acreanas que vem se destacando na produção de café. Apesar de já trabalhar com o grão no estado rondoniense, pois era diarista na colheita e desbrota do café, foi no estado acreano que Lara e sua família transformaram suas vidas com o cultivo. Contudo, o início não foi nada fácil.

“No começo foi muito difícil, porque a gente não tinha incentivo, era tudo muito difícil, a gente tinha que buscar irrigação em Rondônia. Então, eram muitos obstáculos, não tinha adubação fácil para comprar, não tinha assessoria de secretaria, de governo, de nada. Então, no começo, foi muito difícil”, relata a produtora sobre o começo de tudo.
Com o passar do tempo, o trabalho foi prosperando. Em 2010, o marido de Eliane conheceu o café clonal (produzido a partir da clonagem de uma planta-mãe) e levou mudas para serem plantadas na propriedade. A espécie possui maior capacidade de produção, menor tempo de colheita e garante rentabilidade aos produtores.
“Eu, sem saber como fazer, fiz um cercado e uma cobertura de palha, e ele trouxe cerca de mil mudas. Nós regamos com o regador, o que fez que sobrassemapenas 300 mudas que a gente plantou. Esse foi o primeiro café clonal que chegou aqui no Acre, mas não se adaptou de jeito nenhum. Só em 2011 foi que as mudam se adaptaram ao estado. Foi o começo do café clonal no Acre”, explica.
Eliane comenta que já tomava cuidados especiais com o café. Agora, trabalhando com o café especial, a atenção é redobrada. Entre as medidas tomadas pela cafeicultora, está o cuidado em colher, no mínimo, 85% do café maduro. Os grãos passam por um processo de lavagem, de fermentação, de secagem e de seleção dos caroços verdes.
“Depois vão para o terreiro suspenso, onde são mexidos de hora em hora. Então, requer-se cuidado especial. Hoje, procuramos manter o café saudável o máximo possível. A mulher tem essa atenção a mais de selecionar melhor esses grãos verdes, de verificar se está fermentando ou não. O olhar da mulher sobre a qualidade do café é mais perfeccionista.”, afirma.
O legado da produção de Lara será mantido pelas próximas gerações. Sua filha, que estuda Agronomia, também tem como foco o café. “Ela e o esposo moram aqui, além do meu filho também. Todos trabalham com a gente. Então, eu tenho um orgulho muito grande da minha família, porque a gente conseguiu manter nossos filhos na cafeicultura. A nossa lavoura é muito familiar. Até o meu netinho de 5 anos tem três ou quatro pezinhos de café, que pertencem a ele. A cafeicultura proporcionou para a nossa família, para a família Lara, se manter dentro da cultura do café. Por isso, falar do café é algo muito natural, pois conhecemos todo o processo e, para mim, é um assunto prazeroso de se conversar”, diz com orgulho.
Incentivo e perseverança: café é o respirar e o viver
Como aquela famosa frase: lugar de mulher é onde ela quiser, Eliane defende que as mulheres podem sonhar e conquistar muitas coisas, inclusive na cafeicultura. “O café proporciona dignidade para as mulheres que trabalham e sonham em construir alguma coisa. O café é uma oportunidade de mostrar seu trabalho, de ter sua dignidade e sonhar mais alto”, defende com convicção e firmeza.
Eliane complementa que jamais imaginaria que pudesse viajar para outros estados e, até mesmo, países para apresentar seu café. A cafeicultora ficou entre as 20 melhores do Brasil no concurso Florada Premiada na Semana Internacional do Café, realizada em Belo Horizonte, considerada a maior competição de qualidade de café produzido por mulheres no país.
“Com meu suor e esforço na cafeicultura, o meu café e o meu trabalho foram reconhecidos. Então, o meu café pôde me proporcionar uma viagem para a Itália. O café na minha vida, como eu sempre digo, é o respirar e o viver. O café é o que me motiva e me joga para cima”, acrescenta.
Outras histórias marcantes
Mas não é somente Eliane que está tendo a vida transformada por causa do café no Acre. A cafeicultora Nathalia Santos de Souza, de 27 anos, trabalha há 3 anos na produção de café em sua propriedade localizada no Projeto de Assentamento Tocantins, no Ramal Seringueiro, em Porto Acre.

Junto ao seu esposo, Daniel de Souza, e outros familiares, Nathalia compartilha que o café entrou na vida de sua família através de outros produtores, sendo inclusive seus vizinhos, que já plantavam os grãos.
“Começamos com uma pequena quantidade de três hectares só e deu tudo certo, graças a Deus. Nós adotamos alguns cuidados para que o nosso café venha a ser bom, como manter a irrigação da forma certinha, com adubações, além de evitar pragas para que atinjam o grão. O café representa para nós mais melhorias, além da aprendizagem que adquirimos ao decorrer do tempo”, pontua.
Para superar alguns obstáculos, como a necessidade de maior esforço físico para realizar algumas atividades, a produtora precisou fazer algumas adaptações, como a compra de bombas motorizadas, para facilitar seu dia a dia. Além disso, Nathalia comenta que participar de cooperativas, associações de moradores ou grupos de apoio, faz muita diferença.
“Nós participamos de uma associação, que nos ajuda com equipamentos e procura nos proporcionar mais recursos, como secador, descascador e outras ferramentas que nos auxiliam”, declara.
Outra força na cafeicultura acreana é a produtora Maria do Socorro Pontes Souza, de 53 anos. Sua propriedade, a colônia “Deus Te Proteja”, também está localizada no PA Tocantins, no Ramal do Seringueiro, em Porto Acre.
O café entrou na vida de Socorro como uma oportunidade de melhorar a renda familiar e aproveitar, de uma forma melhor, a terra. Com o tempo, o café se tornou mais do que um cultivo para Socorro, virou uma paixão e um símbolo de superação, trabalho e amor pelo campo.

“O café robusta amazônico chegou na minha propriedade para ficar. Eu costumo dizer que eu namoro com café. Hoje, já não namoro com café, mas estou dentro do café mesmo, costumo dizer que já é casamento. Quando comecei a trabalhar com o café, vi que ele tem muitas propriedades e que dá para fazer muitos pratos para você fazer, seja salgado ou doce”, detalha.
O robusta amazônico é uma das principais espécies de café cultivadas aqui no Acre. Por meio da fácil adaptação ao clima e solo do estado, o robusta tem se tornado, conforme especialistas, uma alternativa econômica e de baixo impacto ambiental, contribuindo para o reflorestamento de áreas degradadas. Em 2025, o cultivo da espécie no Acre cresceu 7,9% e a produção deve atingir 5,3 mil toneladas, apontam os dados do IBGE.
Para Socorro, ver os resultados do esforço diário é o principal motivo para continuar na cafeicultura. A produtora enfatiza que o café trouxe para ela o reconhecimento, o aprendizado e uma nova perspectiva de vida, onde cada colheita é uma conquista.
“Enfrentei muitas barreiras. Apesar do meu esposo ser deficiente, as pessoas falavam que eu não ia para frente. O maior desafio foi conquistar o respeito e espaço em um ambiente onde a presença masculina ainda é forte. Mas, com trabalho, dedicação e resultados, mostrei que a mulher também tem força e competência no café”, fala com confiança.
Maria, assim como Eliane e Nathalia, também acompanha todo o processo de cultivo do café, desde o preparo do solo, plantio, tratos culturais, adubação e controle de pragas, até a colheita e pós-colheita. A produtora compartilha parte do seu dia a dia em suas redes sociais.
“Gosto de estar presente em cada etapa para garantir qualidade e aprendizado constante. Além disso, busco aplicar boas práticas em todas as fases, como colheita seletiva, secagem adequada e armazenamento correto. Também invisto em conhecimento técnico e oriento o manejo com foco em qualidade”, compartilha.
Outro ponto destacado pela cafeicultora é a importância do apoio técnico e o compartilhamento de experiências que ajudam e fortalecem a união entre produtores, além de abrirem novas oportunidades de aprendizado e comercialização.
“O incentivo à participação das mulheres em feiras e concursos ajuda a dar mais visibilidade ao nosso trabalho. É necessário ter dedicação no café para, assim, ter um produto de qualidade. O café, para mim, representa conquista e identidade. Ele transformou minha vida, a da minha família e me fez acreditar, ainda mais, na força do trabalho no campo. Trouxe independência, aprendizado e orgulho do trabalho que realizo. Hoje, o café é parte da minha história e do meu futuro. Cada grão é fruto de muito esforço e amor”, celebra.
Café no Acre é potência
A cafeicultura no estado tem sido fortalecida no cenário nacional através de diversos programas e ações que estimulam a produção dos grãos no estado. A Secretaria Estadual de Agricultura (Seagri) tem investido, junto às prefeituras e outros parceiros, em tecnologias, capacitações e, principalmente, na sustentabilidade, trazendo reconhecimento para os produtores locais.
O maior complexo industrial de café da agricultura familiar da região Norte foi inaugurado em junho deste ano, no município de Mâncio Lima. O empreendimento é fruto da parceria entre a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e a Cooperativa de Café do Juruá (Coopercafé), com apoio do Governo do Estado, por meio da Seagri, e une inovação com o protagonismo da agricultura familiar.
“O nosso trabalho sempre foi muito além de simplesmente entregar mudas, embora a gente faça questão de entregar mudas de altíssima qualidade genética. Nós estamos investindo pesado no pacote completo, na mecanização, na análise de solo, na açudagem para garantir a irrigação, e, principalmente, na assistência técnica, no acompanhamento de perto”, afirma o secretário de agricultura, José Luiz Tchê.
Além do investimento na produção, a Seagri está focada em abrir novos mercados. Conforme o secretário, em 2024, pela primeira vez, o Acre levou produtores para participar da Semana Internacional do Café (SIC), em Belo Horizonte.
“Agora em novembro, seguindo a tradição, mais uma vez, vamos levar os 15 finalistas desta edição do QualiCafé para a SIC. Não vamos mostrar somente a alta qualidade dos nossos cafés, como também apresentaremos a nossa história que alia a preservação das nossas florestas com produção de qualidade. Nós estamos conectando o pequeno produtor do Acre com o mercado global. É isso o que significa quando falamos em revolução na agricultura”, defende Tchê.
Outro fato importante, que demonstra a potência do café no estado acreano, é a comitiva formada por produtores de café, engenheiros agrônomos e técnicos que realizaram visitas, no fim de setembro deste ano, a diferentes instituições na Itália para apresentar os cafés acreanos, em especial, o robusta amazônico, para o mercado mundial.
Talvez um dos maiores marcos para o reconhecimento da qualidade do café acreano seja o Concurso de Qualidade de Café do Acre (QualiCafé), citado pelo secretário de Agricultura anteriormente, que, neste ano, celebrou a 3ª edição com premiação de cerca de R$ 150 mil. O concurso é realizado anualmente e tem como objetivo incentivar a produção de cafés, estimular as práticas agrícolas e fortalecer a cultura cafeeira nas regiões produtoras do Acre, agregando valor ao produto e divulgando a diversidade de sabores e aromas da cafeicultura estadual.
“Esse destaque é fundamental porque o café é uma cultura que gera renda rápida e fixa a família no campo com dignidade. Ele diversifica nossa produção, abre portas no mercado internacional e mostra que o Acre tem, sim, capacidade de produzir com altíssima qualidade. O café deixou de ser uma promessa e hoje é uma das nossas maiores realidades”, enfatiza o gestor da Seagri.

Incentivo às mulheres
O protagonismo das mulheres na cadeia de produção do café, para o gestor, representa a verdadeira alma da transformação que o campo está vivendo no Acre.
“Não é apenas uma participação, é protagonismo. A mulher cafeicultora do Acre é detalhista, é forte, é resiliente. Elas estão buscando a qualidade e o resultado é que estão elevando o patamar do nosso café. E essa sensibilidade e competência não estão só no campo, na Secretaria de Agricultura, a nossa equipe que lidera as ações do café é composta, em sua maioria, por mulheres. É a força feminina fazendo a diferença, da gestão ao grão”, diz orgulhosamente.
De acordo com a engenheira agrônoma e coordenadora do núcleo da cafeicultura da Seagri, Michelma Lima, a instituição tem atuado em várias frentes para aumentar, cada vez mais, a participação das mulheres na cafeicultura. Entre essas ações estão inclusas:
- Capacitação técnica e gestão: inclusão de mulheres em todos os cursos e ações de assistência técnica do Concurso QualiCafé;
- Valorização e visibilidade: incentivo à participação feminina no Concurso QualiCafé, com destaque para produtoras premiadas e reconhecidas pela qualidade dos cafés;
- Acesso a insumos e tecnologias: distribuição de mudas clonais, calcário e equipamentos também às propriedades conduzidas por mulheres.
“Além disso, as ações de valorização vêm sendo fortalecidas por meio da participação em missões técnicas, participação em concursos e feiras nacionais, onde produtoras acreanas têm apresentado seus cafés. Assim como, a divulgação de histórias inspiradoras, mostrando o protagonismo feminino nas redes sociais e materiais institucionais do setor”, destaca Michelma.
Outro ponto de fortalecimento para a valorização dessas mulheres envolve a ampliação de parcerias com instituições como Sebrae, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e Embrapa, como forma de garantir o acompanhamento contínuo e oportunidades de comercialização diferenciada.
No dia 31 de julho, a Seagri realizou o 1º Encontro das Cafeicultoras durante Expoacre 2025. O evento marcou um momento inédito de valorização e protagonismo feminino na cafeicultura acreana. O encontro reuniu mulheres representantes das regionais produtoras de café do estado, com o objetivo de promover um espaço de troca de experiências, fortalecimento de vínculos e discussão sobre os desafios e oportunidades da mulher no campo.
“A programação foi composta inteiramente por palestras ministradas por mulheres, com temas voltados à atuação feminina no agronegócio, à qualidade do café e ao empreendedorismo rural. O encontro teve como propósito incentivar, motivar e valorizar as mulheres que atuam na cafeicultura acreana, reforçando o compromisso na promoção da igualdade de oportunidades e no fortalecimento da presença feminina em toda a cadeia produtiva do café no Acre”, ressalta Michelma.
O café vem mudando a vida de muitas pessoas. No caso das mulheres desta reportagem, o que fica perceptível é que, apesar da rotina muitas vezes cansativa, o amor, a perseverança e a resiliência para enfrentar os obstáculos, estão conseguindo, de forma memorável e significativa, ampliar os horizontes e reforçar o valor e a importância das mulheres na cafeicultura acreana.








