Rio Branco, 2 de novembro de 2025.

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“A morte é a curva da estrada” — uma crônica para o Dia de Finados

“No Dia de Finados, cemitérios deixam de ser território de ausência e viram espaço simbólico onde a vida dialoga com a eternidade”: Foto Leônidas Badaró

Há datas que não se explicam, apenas se sentem. O Dia de Finados é uma delas. Não é um dia de luto, ainda que nele a saudade tenha lugar cativo; é um dia de lembrança — e, sobretudo, de amor. Em meio às flores que repousam sobre as lápides e às preces que se elevam silenciosas, há algo que ultrapassa qualquer doutrina, religiosa ou não: a certeza de que o vínculo humano, quando é verdadeiro, não se desfaz nem mesmo diante da morte.

Neste dia intenso e cheio de significados, o cemitério deixa de ser apenas um território de ausência. Ele se torna um espaço simbólico onde a vida dialoga com a eternidade. É ali que os passos lentos dos que visitam os túmulos, jazigos e mausoléus se misturam a uma ternura que, paradoxalmente, reafirma o sentido de existir. Porque quem chora um amor que partiu, no fundo, celebra a beleza de tê-lo vivido.

Em um de seus poemas, Fernando Pessoa escreveu que “a morte é a curva da estrada, morrer é só não ser visto”. Em sua aparente simplicidade, essa frase encerra uma verdade que conforta: o que amamos não se apaga, apenas muda de forma. A lembrança, a voz que ecoa na memória, o gesto que reaparece em nós sem percebermos — tudo isso é a continuidade invisível dos que amamos. Em cada vida que segue, há sempre um pouco daquelas que ficaram no caminho.

O Dia de Finados, portanto, não deve ser um convite à tristeza paralisante, mas à serenidade. A saudade tem o direito de existir — e também o dever de se transformar. Ela é, em certo sentido, o modo mais delicado de o amor continuar. Mas é preciso permitir que esse amor nos ensine a seguir. Porque os que partiram, se pudessem nos dizer algo, talvez repetissem o que Guimarães Rosa um dia escreveu: “As pessoas não morrem, ficam encantadas.”

E é desse encantamento que nasce a força para continuar vivendo. Há, nesse equilíbrio entre a ausência e a presença, uma sabedoria antiga: honrar os que se foram não é aprisionar-se à perda, mas prolongar a vida deles por meio dos nossos gestos, das nossas escolhas, da nossa bondade. Assim, cada ato de amor que praticamos é uma forma silenciosa de ressurreição.

Hoje, diante da memória dos que amamos, podemos olhar para o céu — ou para dentro de nós — e dizer com gratidão: “obrigado por ter existido”. Porque o amor, quando verdadeiro, não cabe em um só plano existencial. Ele atravessa a morte, e volta, de um jeito ou de outro, para nos ensinar a viver melhor.

No fim, o Dia de Finados é um espelho de duas faces, em que vemos, ao mesmo tempo, o passado que amamos e o futuro que ainda temos a construir. É um lembrete manso de que a vida continua, e que o maior tributo que podemos oferecer aos que se foram é continuar — com gratidão, com coragem e com fé — a sermos dignos do amor que deles recebemos.

Raimari Cardoso é jornalista.

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