
Em tempos de redes sociais, todo mundo virou comunicador. Com um celular na mão e conexão com a internet, qualquer pessoa pode emitir uma opinião, divulgar uma informação, fazer uma denúncia ou, simplesmente, entreter.
O problema é quando esse poder de comunicar não vem acompanhado de ética, responsabilidade ou compromisso com a verdade. E quando isso acontece, a palavra deixa de informar e pode matar.
Foi o que vimos acontecer recentemente no Acre naquele caso em que uma mulher foi linchada por populares após rumores se espalharem de que ela teria assassinado a própria filha.
A história correu rápido pelos grupos de WhatsApp, viralizou nas redes e chegou a sites de notícias locais. A base da acusação? Um saco com ossos e sangue encontrado por moradores. Antes mesmo de qualquer investigação, a sentença foi decretada: Culpada. Executada.
Dias depois, a verdade veio à tona. A ossada era de um cachorro. A criança realmente estava desaparecida, mas não havia provas de assassinato. A mãe, já marginalizada por ser usuária de drogas, não teve sequer o direito de ser ouvida.
Não sabemos se ela cometeu um crime, se tentou proteger a filha das dificuldades de viver ao seu lado, ou se foi mais uma vítima da falta de amparo social. Mas o que sabemos é que ela não teve chance de contar sua versão.
Infelizmente, esse não é um caso isolado, eles expõem a fragilidade das fronteiras entre informação, opinião e irresponsabilidade.
A Escola Base, em São Paulo, é talvez o exemplo mais clássico do jornalismo que condena antes de apurar: nos anos 1990, a denúncia falsa de abuso sexual destruiu a vida de uma família inteira e até hoje é lembrada como símbolo da devastação que uma manchete sem provas pode causar.
Não é à toa que grandes escritores e pensadores como Eugênio Bucci, Rui Barbosa, Bob Kovach e Tom Rosenstiel sempre defenderam que o jornalismo precisa ter compromisso com a verdade e com a sociedade.

Bucci costuma dizer que a imprensa deve firmar um contrato de responsabilidade com seu público, afinal, comunicar é um ato público com efeitos reais. Não se trata apenas de informar ou entreter, mas de compreender que cada palavra tem peso. E consequência.
O mais alarmante é que até veículos tradicionais de imprensa têm entrado nesse jogo perigoso, priorizando o clique rápido em vez da checagem cuidadosa. A audiência virou moeda. A manchete, isca. E a verdade, muitas vezes, fica em segundo plano.
A reflexão que deixo aqui é dura, mas necessária: estamos nos acostumando com esse tipo de comunicação? Estamos deixando de questionar a forma como as informações chegam até nós? Pior: estamos validando a lógica de que vale tudo por engajamento?
Comunicar não é só um direito. É um dever. O dever de zelar pela dignidade humana, pelo devido processo, pela escuta. Porque quando a palavra é usada sem ética, ela não só desinforma. Ela condena. Ela destrói. E, como vimos, ela mata.