Rio Branco, 26 de junho de 2025.

ALEAC

Conheça Ariel Sebastos, protagonista da primeira retificação para o sexo não binário registrada no Acre

O direito à retificação de nome e gênero para pessoas transexuais, travestis e não-binários é um dos primeiros passos para garantir dignidade e respeito aos cidadãos que não se identificam com o gênero atribuído no nascimento. No Acre, a retificação de Ariel Sebastos Nascimento Silva, de 46 anos, é a primeira a constar “do sexo não binário”, em documentos oficiais, que se refere as identidades e expressões que não se limitam ao binário masculino e feminino.

Processo de retificação foi iniciado há 2 anos: Foto acervo pessoal

Em entrevista ao Portal Acre, Ariel Sebastos compartilha a sua história e explica que os questionamentos sobre não binaridade começaram ainda na infância, fase em que é comum indagar e se interessar por assuntos diversos. “No meu caso, foi quando uma professora veio questionar o porquê de eu ter entrado no banheiro masculino, e as vezes eles até achavam que eu não entendia, não tinha visto a placa, porque fui tido como uma criança disléxica e eles achavam que eu não entendia essa questão por conta da dislexia, mas não era”.

Apesar da pouca idade na época, Ariel Sebastos se recorda de não compreender a existência de coisas separadas por gênero, já que elas poderiam ser compartilhadas. “A gente sabe que homens e mulheres fazem suas necessidades de forma diferente, de pé e sentado, mas quando eu era criança e teve esse episódio, eu dizia ‘eu só quero fazer xixi, não importa onde eu estou entrando, se os dois tem vaso sanitário, eu vou entrar”, relembra.

A compreensão de que era diferente vinha por meio das brigas dos familiares, que utilizavam termos ultrapassados para se referir à Ariel, assim como ao bullying no ambiente escolar. “Teve vários momentos da minha vida, na infância e na adolescência em que percebi que eu era diferente, porque eu brincava de boneca, de carrinho, de peteca, de colecionar figurinhas, coisas que eram consideradas masculinas, mas eu também não me incomodava de brincar com as minhas irmãs e com as minhas primas”.

O processo de retificação foi iniciado há 2 anos, por intermédio da Defensoria Pública do Estado do Acre (DPE/AC). Ariel Sebastos é natural de Sena Madureira, o que acabou ‘atrasando’ o processo, já que é necessário solicitar a atualização da certidão no cartório local. Além disso, havia a dificuldade de os juízes aceitarem a não binaridade.

“Alguns conhecidos não binário, para agilizar a documentação, colocaram homem trans, porque não se incomodavam de serem chamados de homem, mas não é o meu caso. Eu me incomodo tanto de ter gênero feminino como masculino, porque na minha cabeça, na minha vivência, não existe essas separações de binaridade”.

No momento, Ariel Sebastos ainda não possui nenhum documento retificado no formato físico, já que a decisão judicial é recente. Com a decisão da juíza de Direito, Luana Cláudia de Albuquerque Campos, o cartório de Sena Madureira tem 48 horas para assinar a documentação de retificação, mas o processo ainda não foi encaminhado ao município.

Para Ariel Sebastos, o apoio do Governo e do sistema judiciário é extremamente necessário para facilitar os processos e para fortalecer a cidadania.

Ariel vai receber novos documentos físicos após retificação: Foto acervo pessoal

“Todo cidadão merece dignidade e para ter dignidade, você precisa de emprego, de um nome que você se identifique, que você olhe no espelho e se reconheça. Você precisa ser reconhecido e ser chamado pela forma como se identifica. No meu caso, o reconhecimento não binário é o reconhecimento de uma vida. São quase 50 anos de se olhar e dizer ‘eu não gosto desse nome, dessa fisionomia e quero mudar isso, quero que respeitem quem eu sou’. Nem tudo na vida precisa de explicação, e nem tudo na vida é binário. Todos precisam estar conscientes disso e precisamos de uma sociedade mais inclusiva”.

Sebastos conta que participa de um grupo que reúne pessoas não binário e homens transexuais e que recebem apoio do deputado estadual Fagner Calegário (Podemos).

“Nós já recebemos uma emenda dele, que foi para o ambulatório [espaço destinado à atendimento de pessoas trans), mas até o momento a Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre), só comprou hormônio feminino até o momento. No momento o Ministério Público está averiguando essa questão, o porquê ainda não foi comprado os nossos medicamentos, e também queremos buscar o estado para começar o fluxo de cirurgias”.

Ariel Sebastos explica que o uso contínuo de medicamentos hormonais, sem acompanhamento, pode ser prejudicial à saúde e que a orientação especializada, assim como o encaminhamento para cirurgias, são essenciais. A reivindicação é de que as cirurgias de histerectomia (retirada do útero e dos vários) e mastectomia (remoção das mamas) sejam oferecidas no sistema público sem que o paciente apresente patologia, mas sim pelo direito a cirurgia de redesignação sexual.

“Tem meninos que estão há 6 anos na transição e daqui um tempo isso vai se tornar um caso de saúde pública, porque com os hormônios, os órgãos atrofiam e isso pode evoluir para uma doença. Se tem um ambulatório, se temos médicos, por que não fazem para nós [cirurgias]? Então nós estamos alinhando isso, em conversa com a diretora da Fundação e na semana que vem vamos ter uma reunião junto com o deputado Calegário, que irá desfilar mais uma emenda à nossa causa para o ano que vem”, complementa.

O nome Ariel

Ariel Sebastos Nascimento Silva é um nome repleto de simbolismo e é uma variação do nome de seu pai. “Além disso, o meu nome foi escolhido porque meu pai sempre dizia que se eu tivesse nascido do sexo masculino, esse seria o meu nome, já que é uma variação do nome dele, Ari Oswaldo. E minha escolha foi por isso, achei bonito e um nome que já era meu”, compartilha. Por ser  considerado desrespeitoso e prejudicial, pois não reconhece a identidade atual da pessoa e a pedido do próprio Ariel, o nome “morto”, como chama o nome que foi registrado ao nascer, não será mencionado.

Mutirão Viver com meu nome

O debate sobre os direitos da comunidade LGBTQIA+ crescem e ganham força em todo o país, o que impacta diretamente nas ações realizadas por órgãos e instituições responsáveis por garantir dignidade para os cidadãos transexuais, travestis e não binários. No próximo sábado, 28, a Defensoria Pública do Estado do Acre (DPE/AC) e a Secretaria de Estado da Mulher (Semulher) realizam o mutirão “Viver com meu nome”, na sede da defensoria, das 8h às 13h.

A Organização em Centros de Atendimento (OCA), parceira da ação, oferece de 24 a 26 de junho, das 8h às 13, os serviços de emissão de certidões para o público interessado.

Para a retificação, são necessários os seguintes documentos:

• RG e CPF (original e cópia)

• Passaporte (se houver)

• Título de Eleitor (cópia)

• Comprovante de endereço

• Certidões negativas da Justiça Estadual, Federal, Eleitoral, Trabalhista e Militar (para quem foi registrado no sexo masculino)

Além disso, a ação conta com serviços como: testes rápidos, atendimento social e de saúde, emissão de documentos eleitorais, distribuição de cestas básicas e roupas sociais e muito mais.

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