Rio Branco, 21 de novembro de 2025.

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122 anos do Tratado de Petrópolis: o acordo que redesenhou o Brasil

Acervo: Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural da Fundação Elias Mansour

Nesta segunda-feira, 17 de novembro, o Brasil celebra o 122 º aniversário de um dos marcos diplomáticos mais determinantes para sua configuração territorial: o Tratado de Petrópolis, firmado em 1903 entre Brasil e Bolívia. Mais do que um pacto de fronteiras, o acordo consolidou a presença brasileira no Acre, encerrou um longo ciclo de conflitos e abriu caminho para a integração definitiva da região ao País.

O episódio é reconstituído com rigor histórico no estudo O Tratado de Petrópolis — Interiorização do conflito de fronteiras, de autoria de Flávia Lima e Alves, publicado na Revista de Informação Legislativa. A análise da pesquisadora oferece um panorama detalhado das disputas geopolíticas, econômicas e diplomáticas que culminaram no pacto assinado em Petrópolis.

A corrida pela borracha e o princípio do conflito

Desde a segunda metade do século XIX, milhares de brasileiros — sobretudo migrantes nordestinos empurrados por secas sucessivas — ocuparam áreas amazônicas então sob soberania boliviana e, em parte, peruana. Eram fronteiras imprecisas, estabelecidas por tratados coloniais como os de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777), mas incapazes de refletir a ocupação real da região.

O cenário muda radicalmente com a explosão da demanda internacional por borracha. Como lembra Alves, a vulcanização desenvolvida por Charles Goodyear e a ascensão da indústria automobilística transformaram o látex amazônico em insumo estratégico . A valorização do produto despertou o interesse da Bolívia e do Peru, reacendendo contestações sobre áreas até então negligenciadas.

Insurreições e tensões internacionais

Entre 1899 e 1902, a região viveu três grandes movimentos insurrecionais — liderados por José Carvalho, Luiz Galvez e Plácido de Castro — todos impulsionados pelo descontentamento dos moradores com a tentativa boliviana de impor controle efetivo sobre o Acre, especialmente após a criação do porto alfandegário de Puerto Alonso.

O episódio mais sensível, porém, surgiu com o Bolivian Syndicate, grupo formado por investidores dos Estados Unidos e do Reino Unido que arrendou a exploração da área por 30 anos. Para Alves, esse arrendamento transformou a disputa em questão de soberania, mobilizando o governo brasileiro diante da perspectiva de presença estrangeira armada às margens do Amazonas .

A entrada decisiva do Barão do Rio Branco

A crise atingiu seu ápice quando Rodrigues Alves assume a Presidência e nomeia José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, para o Ministério das Relações Exteriores. Foi ele quem reverteu a interpretação histórica que tratava o Acre como zona boliviana incontestável e defendeu a linha do paralelo 10º20’ como limite real previsto no Tratado de Ayacucho (1867).

Foto tirada no jardim da casa do Barão do Rio Branco em Petrópolis em que aparecem os negociadores do Tratado – Acervo: Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural da Fundação Elias Mansour 

Rio Branco apostou na diplomacia com “preparação para a guerra”, como descreve Alves. Ofereceu compra, permutas e concessões logísticas à Bolívia, sempre com o objetivo de impedir a instalação do sindicato estrangeiro e de garantir a soberania brasileira na área.

A vitória militar das tropas de Plácido de Castro em janeiro de 1903 acelerou o processo. Sem condições de manter controle no terreno, a Bolívia aceitou negociar.

O Tratado de Petrópolis: compensações, concessões e soberania

Assinado em novembro de 1903, o Tratado de Petrópolis estabeleceu:

·        Cessão do Acre ao Brasil, garantindo soberania sobre 191 mil km² até então litigiosos;

·        Pagamento de indenização de 2 milhões de libras esterlinas à Bolívia, além do acerto financeiro com o Bolivian Syndicate;

·        Entrega de áreas fronteiriças brasileiras à Bolívia, em ajuste compensatório;

·        Compromisso brasileiro de construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, facilitando o acesso boliviano ao Atlântico;

·        Liberdade de navegação na bacia amazônica para produtos da Bolívia.

Conforme destaca Alves, o arranjo representou uma solução pragmática, consolidando a ocupação brasileira e afastando a ameaça de ingerência estrangeira na Amazônia .

O que faltou ao pacto: o Peru na disputa

A autora lembra que o tratado não encerrou todo o contencioso. O Peru reivindicava partes da mesma região e resistiu à exclusão das negociações. O país só aceitaria um acordo definitivo em 1909, também articulado por Rio Branco, que ampliou ainda mais o domínio brasileiro e consolidou os limites atuais.

Impactos internos e um litígio que atravessou o século

A anexação do Acre desencadeou um novo conflito — desta vez interno. O Amazonas reivindicava parte das terras incorporadas, alegando posse histórica. A disputa levou Rui Barbosa ao Supremo Tribunal Federal e se estendeu por décadas, com ecos que chegam à Constituição de 1988 e a ações judiciais ainda em debate, como observa Alves em seu estudo minucioso .

Legado para o Brasil do século XXI

O Tratado de Petrópolis transformou o Acre em Território Federal (1904) e, décadas depois, em Estado (1962). Mais do que um capítulo da política externa, o pacto moldou a geografia, a ocupação populacional e a estrutura federativa do País.

Para Flávia Lima e Alves, o episódio evidencia como decisões diplomáticas podem irradiar efeitos por mais de um século — sobre mapas, identidades, economias e contestações políticas. “A questão acreana”, afirma a autora, “é desdobramento direto das escolhas feitas em Petrópolis”.

Hoje, 122 anos depois, o acordo continua a ser lembrado como um triunfo da diplomacia brasileira, simbolizando a habilidade do País em exercer sua soberania pela negociação, sem renunciar à firmeza estratégica.

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