
Por Lane Valle
Dizem que a vida adulta começa quando você descobre que existe um CPF no seu nome e que ele serve basicamente para duas coisas: boletos e filas. “Quando eu fizer 18 anos, vou tirar minha habilitação, arrumar um emprego e morar sozinho”. Ah, quem nunca, né? Porque ser adulto é ter liberdade, disseram. E cá estou eu, livre, escolhendo entre pagar a conta de energia ou comprar um queijo minas que não está em promoção.
Liberdade, caros leitores, nada mais é que decidir se a luz vai ser paga antes do anúncio do corte ou se meu café da manhã vai ser mais feliz, na padaria, é claro.
A vida adulta se resume em acordar todos os dias no mesmo horário, fingir que não tem ódio do despertador e do botão soneca que certamente não foi inventado para ajudar você, mas para prolongar o sofrimento em intervalos de nove minutos. Tomar aquela xícara de café que vem como contrato tácito com o universo: “Não vou mudar o mundo hoje, mas pelo menos não vou surtar com clientes e nem ameaçar colegas de trabalho, pelo menos antes das 10h”.
No final, acordar cedo para trabalhar é só uma prévia do verdadeiro teste de resistência da vida adulta: a fila do supermercado às 19h, cheia de gente com a mesma cara de cansada, sem paciência e com sono que você.
Depois de vencer as primeiras horas da manhã, sabendo que à noite tem aquela passadinha no mercado onde vai comprar só pão e leite e sai com uma fatura digna de financiamento imobiliário, o resto do dia fica mais fácil. Basta estampar aquele sorriso na cara como se não estivesse secretamente cansado de tudo, das reuniões que poderiam ser e-mails e de e-mails que ninguém nunca lê. Afinal, quem não ama pagar boletos com a mesma emoção de abrir presentes no Natal?
Não vamos esquecer da parte do dia “preferida” da vida adulta: O ambiente de trabalho. Local onde todo mundo tem ‘colegas incríveis’. Eu mesma tenho vários. O que vive sorrindo para todo mundo, aquele sorriso que brilha como lâmina de faca recém-afiada, basta um descuido para te esfaquear. Aquela colega que transforma qualquer reunião de 15 minutos em uma saga de três temporadas. E, claro, o meu colega de trabalho preferido, aquele metido a chefe que além de fiscalizar seus horários, adora mandar demandas no grupo de trabalho do whatsapp que todo mundo fingi que não viu.
E os boletos… ah, os boletos! Eles não atrasam, não reclamam, não faltam. Talvez, sejam os únicos verdadeiros companheiros da vida adulta. Relacionamento estável mesmo. Até me sinto mal em não tratá-los melhor. Talvez, na próxima fatura, eu devesse mandar um “bom dia, linda” para a Energisa antes de pagar.
E assim seguimos, nessa montanha-russa chamada vida adulta — sem cinto, sem manual e com os boletos servindo de entrada VIP. O carrinho desce com força quando chega o aluguel, dá uma voltinha quando sobra mês no fim do salário, e às vezes até para no meio do caminho… geralmente no meio da fila do mercado, atrás de alguém com 74 itens no caixa rápido.
Mas, tudo bem. A gente ri pra não chorar (ou chora enquanto ri, porque versatilidade emocional é mais uma das habilidades não remuneradas da vida adulta). Porque, no fim das contas, a vida adulta não é sobre chegar no topo. É sobre sobreviver em um turno de trabalho que começa às 8h e termina às 18h (mas só no crachá), encarar reuniões que, como diria minha saudosa amiga e jornalista, Val Sales, “saem do nada para lugar nenhum”, firmes e quase fortes, onde a recompensa do dia é encontrar o papel higiênico em promoção no mercado.
Afinal, queridos leitores, se a vida adulta fosse fácil, chamaria “infância 2.0”. E se um dia aparecer por aí uma oferta relâmpago de vida feliz, parcelada em 3x no cartão, sem consulta ao Serasa… por favor, mandem o link. Vai que a gente dá sorte e ainda acumula milhas.
Lane Valle é fonoaudióloga, jornalista e colaboradora do Portal Acre.