Rio Branco, 8 de junho de 2025.

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Nova ação do ICMBio na Resex Chico Mendes reacende conflito em região de polêmica histórica: “Eu não tenho para onde ir”, diz produtor rural

A Região da Maloca, localizada entre os municípios de Xapuri e Epitaciolândia, voltou a ocupar o centro de uma das mais antigas e complexas disputas fundiárias da Reserva Extrativista Chico Mendes (Resex). Considerada uma das áreas mais desmatadas da unidade, a zona é alvo de uma nova operação de desocupação do ICMBio — a Operação Suçuarana, iniciada em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, e com previsão de durar até o dia 22.

ICMBio alega que área concentra práticas ilegais da pecuária: Foto Assessoria ICMBio

O ICMBio, gestor da unidade de conservação, alega que a presença de gado na Maloca, cuja área está embargada há anos, viola os princípios do uso sustentável que regem a Resex. Já os ocupantes contestam a legalidade das ações, afirmam ter direitos históricos e denunciam violações de garantias individuais durante as operações.

Área estratégica e marcada por conflito

Com aproximadamente 2,8 mil hectares e cercada pela BR-317 e pelo Rio Acre, a Região da Maloca abriga comunidades que, segundo dados de 2019, somavam ao menos 180 famílias. A área compreende os antigos seringais Rubicon, Nova Esperança e Filipinas. Pelo grau de ocupação e desmatamento, é considerada uma das zonas mais sensíveis da Resex.

De acordo com o ICMBio, a região concentra práticas ilegais de pecuária extensiva, muitas delas associadas a invasões recentes, especulação fundiária e fracionamento de terras públicas. O órgão afirma que essas atividades colocam em risco os objetivos originais da reserva, que incluem a proteção da floresta e o modo de vida tradicional dos extrativistas.

Por outro lado, moradores alegam que a situação da Maloca é distinta do restante da reserva. Muitos afirmam que o desmatamento ali é anterior à criação da Resex, em 1990, e que se estabeleceram na área sem saber que ela seria incluída nos limites da unidade. Em razão disso, parlamentares locais passaram a defender a exclusão da Maloca da Resex, proposta formalizada no Projeto de Lei 6024/2019, de autoria da ex-deputada Mara Rocha. Atualmente, a proposta está na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara Federal aguardando parecer.

Helicóptero usada durante a Operação Suçuarana: Foto reprodução

Moradores antigos alegam direitos históricos

“Tudo que construí na minha vida está ali.”

Entre os atingidos pela nova operação está Gutierre Ferreira da Silva, que afirma viver na área há mais de 25 anos. Segundo ele, a propriedade foi herdada do pai, um ex-policial militar, e desde então tem sido usada para pequenas atividades agrícolas e de pecuária. Gutierre alega que, ao longo dos anos, obteve licenças ambientais, cartas de anuência do ICMBio e chegou a contratar financiamentos com o Banco da Amazônia (BASA). Ele também foi beneficiado por programa habitacional voltado a extrativistas.

“Tudo que construí na minha vida está ali. É a herança do meu pai. Não sou contra a lei, mas tenho direitos que precisam ser respeitados”, afirmou ao Portal Acre, ao denunciar que seu gado foi apreendido mesmo após apresentar uma liminar judicial que suspende a desocupação até julgamento final.

Outro morador impactado pela operação é José Mesquita, conhecido como “Zé do Joseno”, que teve o rebanho de 160 cabeças apreendido na mesma região. Ele afirma que ao chegar na área, há cinco anos, não tinha noção do conflito que havia em torno da ocupação, cujo ocupante anterior já havia recebido determinação para deixar a área.

José relatou ao Portal Acre a situação que está vivendo em decorrência da operação que o pegou de surpresa junto com a família. “Muito humilhante. Eu tô com uma criança de um ano aqui, perturbadinha com essa movimentação. Eles falaram para desmontar todas as minhas coisas e desocupar a casa. Eu não tenho para onde ir, Não tenho casa e nem dinheiro para pagar aluguel. É uma situação muito séria”, afirmou.

Em meio ao gado apreendido, ele tem vacas leiteiras que afirma serem quem garante o seu sustento e o da família. “Vendo leite todo dia na cidade. Como eu vou viver, comprar a fralda da minha filha, a massa, com uma situação dessas? Eles estão tirando todo o meu recurso de sobrevivência”, complementa.

O ICMBio afirma que a propriedade transferida a ele já estava embargada e associada a multas ambientais acumuladas pelo ocupante anterior. “Ele não é beneficiário da reserva nem possui titulação fundiária, portanto é considerado invasor”, explicou a assessoria do órgão ambiental.

Operação deve durar até o próximo dia 22 de junho: Foto Assessoria ICMBio

ICMBio defende legalidade das ações

O órgão ambiental ressalta que atua com respaldo legal e respeito aos direitos dos cidadãos, mesmo em situações de confronto. “No âmbito da Operação Suçuarana, assim como qualquer ação do ICMBio na Reserva Extrativista Chico Mendes e nos demais territórios nos quais somos gestores, agimos no trato com os cidadãos com urbanidade. Mesmo num contexto de mediação de conflitos, nossas ações estão em observância com a legalidade, proporcionalidade e razoabilidade.”

Apesar disso, os moradores insistem que o modelo de operação, que inclui a presença de Polícia Federal, Força Nacional e até o Exército, é excessivo e causa temor na comunidade. Em episódios anteriores, como os registrados em 2019, houve denúncias de abordagens truculentas, queima de casas e ordens de despejo com prazos curtos, o que gerou uma série de ações judiciais contra o órgão.

Modelo da reserva é colocado em xeque

A Resex Chico Mendes, criada em 1990, ocupa cerca de 970 mil hectares com o objetivo de proteger populações tradicionais e garantir o uso sustentável da floresta. No entanto, o avanço da pecuária — especialmente nas áreas próximas às cidades — tem gerado um processo de “pecuarização da reserva”, em desacordo com o plano de manejo, que prevê o uso de até 15 hectares por família.

Para o ICMBio, as operações visam resgatar os objetivos originais da unidade. A gerente regional da autarquia para a Amazônia, Carla Lessa, afirma que há um esforço em curso para conter a degradação ambiental.

“A Reserva Extrativista Chico Mendes é uma área federal protegida com fins de compatibilizar a conservação do meio ambiente com atividades econômicas realizadas de modo sustentável pelos beneficiários que lá residem. É a nossa unidade mais desmatada e a partir da identificação deste dado estamos realizando operações continuadas de proteção da Resex, assim como de identificação e punição dos infratores”, afirmou.

Impasse estrutural e falta de alternativas

No centro da controvérsia, a Região da Maloca simboliza o dilema recorrente entre a preservação ambiental e os direitos sociais de populações que dependem da terra para viver. Moradores alegam que, diante da falta de políticas públicas voltadas à valorização do extrativismo e do turismo comunitário, encontram na pecuária a única alternativa econômica viável.

Enquanto o debate sobre os limites da unidade e a legitimidade das ocupações segue judicializado, a tensão no território permanece alta, e a resolução do impasse parece distante. A Operação Suçuarana segue em andamento, mas a crise instalada na Maloca aponta para a necessidade de soluções mais amplas, que equilibrem conservação e justiça social.

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