
Entre gestos, olhares e palavras adaptadas, a professora mediadora Damiana Nascimento de Araújo, de 33 anos, traduz o mundo para os alunos que necessitam de suporte durante os momentos de aprendizagem. Na sala de aula da escola Chrizarubina Leitão Abrahão de Rio Branco, ela é mais que uma educadora, é ponte, escudo e voz para a inclusão dos alunos com deficiência.
Formada em História pela Universidade Federal do Acre (Ufac), Damiana, que também concluiu um mestrado, iniciou na mediação em 2018, após ter dificuldade em conseguir um contrato de trabalho em sua área.
Sem expectativa de seguir na área, e após uma sugestão do seu esposo que também trabalha na educação especial, a acreana decidiu fazer uma segunda graduação, dessa vez, em Pedagogia.
“Nessa época, a prefeitura estava bombando com relação à mediação e a educação especial era muito visada. Eu decidi, então, fazer minha segunda licenciatura em Pedagogia e fui ser mediadora. Foi assim que eu decidi ser mediadora e inicialmente eu não queria ser porque é algo muito difícil, não é fácil ser mediador pois tem que lidar com as crianças e eu tinha medo. Eu pensava: Meu Deus, será que vou dar conta? É uma responsabilidade grande. Foi assim que eu iniciei na área”, inicia contando parte da sua história.
Damiana passou no concurso da Prefeitura de Rio Branco em 2020 e está há 5 anos na escola Chrizarubina. Atualmente, a acreana trabalha no Pré-II com três crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), duas suporte II e uma suporte I. Para ela, o processo tem sido um grande ganho de experiência.
Ainda conforme a mediadora, entre os principais desafios da profissão está a questão de lidar com os suportes.
“Porque não atendemos só um suporte, mas sim vários suportes. Por exemplo, quando tem uma criança suporte 3 na sala, o seu desafio é ainda maior, porque são crianças que geralmente usam fralda, não verbal, e há muito mais trabalho, porque além de mediar, fazer o papel pedagógico, também é necessário fazer o papel de cuidador: ajudar na alimentação, trocar a fralda. São crianças que têm mais crises porque a sala de aula é um lugar barulhento e crianças autistas são muito sensoriais. É um trabalho maior e nós temos que ter o maior cuidado e compreender também a criança e o que se passa. Mas, durante todo esse tempo, eu aprendi muita coisa”, destaca.

Com seus filhos recebendo o diagnóstico de TEA, Damiana descreve que passou a enxergar coisas que, até então, não conseguia ver.
“Eu não sabia qual era o processo para laudar uma criança ou por quais profissionais ela passava. Em 2019, trabalhei um tempo na sala de recursos, era professora de Atendimento Educacional Especializado (AEE) no estado, e recebia muitos laudos de neuropediatra, mas não sabia como é que se chegava lá. Isto, até eu receber o laudo, porque a educação e a saúde têm uma disparidade muito grande, são duas realidades bem diferentes”, conta emocionada.
Outro ponto destacado pela acreana é, segundo ela, a percepção de que o ensino regular não supre as necessidades das crianças, principalmente o pouco quantitativo de profissionais para atender os alunos.
“É importante, nesse trabalho, ter o auxílio de toda a escola. Sempre falamos que a criança não é do mediador, mas da escola. Nós precisamos trabalhar em conjunto com a família, com a escola e os profissionais dessas crianças que fazem terapia. Eu acho que os nossos desafios são esses: saber o que aquela criança tem, o que está acontecendo com ela e por que está agindo daquele jeito”, pontua.
Maternidade atípica
A filha de Damiana nasceu em 2020, durante a pandemia, e em 2023 começou a ir para a creche. “A Catarina não falava, era um bebê muito ativo, andou com 10 meses, engatinhou com 8. Então, achava que o desenvolvimento estava ótimo, até ela completar 1 ano e não falar nada. E ela começou a enfileirar brinquedo, a fazer círculo com os brinquedos e ficava dentro, tudo que estava fora da rotina a estressava e eu via que tinha algo estranho nela, só que é difícil para os pais, porque nunca queremos aceitar aquilo”, relata com emoção.

Foi justamente em 2023 que o diagnóstico de autismo suporte II foi dado, após a avaliação com neuropsicólogo e neuropediatra. A partir disso, Damiana foi atrás das terapias e acompanhamento necessários para sua filha.
“Quando a Catarina entrou na creche, falei com a professora para observar, porque por eu ser mediadora talvez eu estivesse com neura. E a minha filha apresentou os mesmos comportamentos na creche, me chamaram nesse dia e eu chorei muito, porque tudo que tinha pensado e tudo que tinha estudado nos meus cursos, nas formações, na especialização sobre o luto, eu estava vivendo tudo aquilo”, disse.
Importância do mediador
Para Damiana, o mediador possui um papel fundamental na sala de aula, pois, além de atender a criança, também oferece suporte para o professor regente.
“Não tem como uma única pessoa dar conta de uma turma inteira, ainda mais no caso das crianças de creche e pré-escola, que demandam muito mais de nós. E, muitas vezes, não auxiliamos somente os nossos, mas todos os alunos, pois todas as crianças querem atenção é não podemos ignorar. Temos que abraçar todos e eu acho isso lindo na educação infantil. No caso da escola em que trabalho, gosto demais porque vejo que realmente atendem as crianças e todos trabalham para isso”, reitera.
A mediadora ressalta a necessidade de valorização, tanto em reconhecimento como no quesito financeiro, dos profissionais da educação e salienta também a importante de continuar aprender.
“As formações continuadas são ótimas, mas como mãe atípica também eu não faço só a formação continuada pela Secretaria de Educação. Eu leio, eu faço cursos, porque eu preciso compreender a minha filha, compreendendo a minha filha, também compreendo os meus alunos”, argumenta.
A acreana acrescenta também. “Acredito que não só nós profissionais, mas os pais também sabem da importância que temos, pois sabem que esse profissional faz a diferença na vida dessas crianças nas escolas. E vemos que, infelizmente, com o número bem acentuado de crianças com autismo nas escolas, vemos que não tem mediadores o suficiente e isso sobrecarrega também o trabalho. Além disso, eu amo a mediação, pois me auxiliou enquanto mãe, quando os meus filhos foram diagnosticados”, finaliza.
Crianças com TEA nas escolas do Acre
Para apresentar um panorama sobre o número de crianças com TEA que acessam o ensino público no estado, a reportagem do Portal Acre entrou em contato com a Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Acre (SEE) para obter os números atualizados,
Segundo as informações repassadas pela SEE, atualmente, cerca de 6. 413 alunos autistas estão matriculados na rede estadual, conforme o Censo Escolar 2024.
Com relação ao quantitativo de mediadores, de acordo com a SEE, 1.981 profissionais estão ativos atuando na rede de ensino no Acre. Além disso, 653 mediadores foram convocados em 2025.
A secretaria também repassou que, no último Censo Escolar, foram registradas 204 salas de recursos multifuncionais. “Mas, lembramos que o professor mediador não atua nessas salas. Ele é o profissional que atua diretamente com o aluno, na sala de aula”, afirma a SEE.
No Acre, a Lei Nº 4.079 de 4 de janeiro de 2023, altera trechos da Lei nº 2.976, de 22 de julho de 2015, que institui a política estadual de proteção dos direitos da pessoa com TEA e estabelece as diretrizes para o acesso ao professor mediador.
Além disso, a capital acreana tem uma lei municipal, a Lei Nº 2.284 de 2 de abril de 2018, que também institui a proteção dos direitos das pessoas com TEA. E a nível federal, a Lei Nº 13.146 de 6 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).