Rio Branco, 17 de junho de 2025.

Sem Fronteira

“Os que fingem que sobrevivem do extrativismo nós sabemos quem são e por que fingem”, afirma sindicalista histórica Dercy Teles sobre crise na Resex

Primeira mulher a presidir um sindicato de trabalhadores rurais no Brasil, o de Xapuri (AC), a partir do ano de 1981, ainda durante a ditadura militar, e dirigindo a entidade por mais quatro ocasiões, a acreana Dercy Teles de Carvalho Cunha, de 70 anos de idade e mais de 45 de ativismo político e social, é, indiscutivelmente, uma das vozes mais respeitadas quando o assunto é o movimento camponês na Amazônia.

Dercy Teles foi a primeira mulher a presidente um sindicato de trabalhadores rurais: Foto cedida

Dercy foi figura atuante durante os conflitos agrários históricos que marcaram o Acre nos anos 1980. Em meio aos embates pela preservação da floresta e pelos direitos dos trabalhadores, ela esteve na linha de frente dos “empates” — protestos pacíficos organizados pelos seringueiros para impedir o avanço do desmatamento — ao lado de lideranças como Chico Mendes e Wilson Pinheiro.

Neste último fim de semana, o Portal Acre entrou em contato com a moradora da colocação Pimenteira, no seringal Boa Vista, onde ela vive desde o ano de 1959. A área não integra a Reserva Extrativista Chico Mendes, mas está bem perto de seus limites — “Há cerca de uma hora de caminhada”, diz, já desconfiando de que queríamos indagá-la sobre a mais recente crise que afeta a Unidade de Conservação.

Na verdade, não havia muitas novidades a serem ditas por ela, pois as suas opiniões sobre os destinos tomados pela Resex já são tão antigas quanto as questões que resultaram no clima de tensão que se formou em torno da Operação Suçuarana, desencadeada na última semana pelo ICMBio na região da Maloca, área de uma disputa antiga entre ocupantes e o órgão ambiental responsável pela gestão da UC.

Contudo, ouvir Dercy é sempre importante. Ainda mais porque a fala dela se afasta da polarização de discursos que têm se amontoado nas redes nos últimos dias. Para ela, o embate entre “defensores da floresta” e “produtores ilegais” representa apenas uma cortina de fumaça sobre os reais problemas que a Resex possui e que precisam ser encarados de frente pelo Estado brasileiro.

Perguntada se acredita em uma solução real para o impasse que há anos coloca de encontro a gestão da Chico Mendes e grande parte dos moradores da área pública federal em torno do desmatamento e do aumento dos rebanhos bovinos em seu interior e áreas de entorno, ela diz que a raiz do problema é um tanto óbvia.

“Basta admitir que o extrativismo faliu, que com o consumismo que foi demandado pra zona rural com a abertura dos ramais e a chegada energia, o padrão de vida na zona rural é outro, que nem se a borracha e a castanha tivessem o valor que tiveram no passado seria suficiente. Os que fingem que sobrevivem do extrativismo nós sabemos quem são e por que fingem”, afirma.

Defensora da criação da Reserva, Dercy acredita que o modelo de gestão e uso da área precisa ser rediscutido sob pena do que está acontecendo na região da Maloca se estender para todo o resto da Unidade de Conservação, pois segundo ela, a maior parte dos moradores têm no gado a principal atividade de subsistência. Segundo ela, um debate amplo precisa ser aberto pelo Governo Federal na busca por uma solução real para o conflito.  

“Na minha opinião, ou ele abre esse debate ou vai ter que expulsar todos os moradores, porque se conta quem não cria gado, os que criam são maioria. A economia do município de Xapuri é movida pela pecuária, inclusive dentro da Resex, o Estado nunca disponibilizou política para o extrativismo, até porque isso é uma coisa do passado, que já não atende as necessidades econômicas. A juventude não quer mais saber dessa atividade, os jovens que moram na Resex, em sua maioria, são peões de boi”, ressalta.

Mesmo breve, a conversa com Dercy reforça o entendimento de que apesar de complexa e multifatorial, a crise que envolve a Reserva Extrativista Chico Mendes possui caminhos para uma pacificação que contemple a preservação da floresta e a garantia de sobrevivência da sua população. Uma solução, no entanto, pede coragem política e institucional para enfrentar o problema de forma séria. Deixar como está é empurrar o problema para a próxima geração – e repetir os mesmos erros que nos trouxeram até aqui.

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